“Dueto das Flores” – Ópera Lakmé

Mesmo quem não tem o hábito de ouvir música de concerto acaba tendo contato com algumas composições desta tradição. A indicação desta semana é um exemplo de música que extrapolou os limites de seu nicho e aparece nos mais diferentes ambientes — teatro, publicidade, cinema, animações, música de elevador, toque de celular e tantos outros formatos.

Composta em 1883, a ópera Lakmé do compositor francês Leo Delibes é baseada no romance do também francês Pierre Loti, que viajou à Índia e escreveu relatos fascinantes de culturas misteriosas e exóticas — tema que era moda na Europa do século XIX por conta do avanço do colonialismo europeu ao redor do mundo e o consequente encontro de culturas até então desconhecidas.

A história se passa na Índia do século XIX, época em que o país era uma colônia sob domínio do império inglês. Lakmé é uma sacerdotisa hindi e se apaixona por Gerald, um soldado britânico. Seu pai fica furioso e a trama se desenrola com o casal tentando viver este romance improvável.

Durante o primeiro ato, Lakmé e uma de suas servas param na beira do rio para pegar flores. Delibes compôs o dueto para este momento, estabelecendo com o tema o clima idílico e exótico da ópera.

Histórias como “As Viagens de Gulliver”, “Robinson Crusoé” e tantas outras passaram a formar este imaginário de viagens e novos mundos exóticos e fantásticos. Este imaginário eurocêntrico pressupõe a cultura cristã-europeia como padrão. O mundo civilizado é uma construção ocidental, fora do qual estão uma infinidade de culturas ao redor do mundo.

Esta representações artísticas são, portanto, a imagem que os europeus fizeram das culturas orientais, não necessariamente o tipo de arte que acontecia por lá.

Após ler o romance de Loti, o libretista Edmond Gondinet — espécie de roteirista das óperas — o mostrou para Delibes que, por sua vez, gostou bastante da história e decidiu musicá-la. A ópera ficou pronta em um ano e o tema musical do dueto fez um estrondoso sucesso e até hoje é bastante executado como canção à parte, fora do contexto completo da ópera.

Vejam as sutilezas da interpretação, as dinâmicas (piano, médio e forte) e a gestão da respiração das cantoras — tudo alinhado para que a soprano Lakmé e a mezzo soprano Mellika protagonizem uma das melodias mais executadas da música ocidental.